Uma análise profunda e nem um pouco necessária de "Questão de Tempo"

 


Questão de Tempo (About Time) me encantou desde a primeira vez que assisti e hoje já perdi as contas de quantas vezes foram. Ele promete uma comédia romântica e entrega muito mais do que isso.

Se você nunca assistiu, relaxa que nesse post só tem um trechinho com spoiler e tá sinalizado. Mas se preferir, pode ir assistir no Star+ ou Prime Video e voltar aqui para comentar comigo.

Um filme é definido pelos seus personagens. A história pode ser muito boa, mas se os personagens forem fracos e mal desenvolvidos, de nada vale. Já um filme com personagens interessantes e bem construídos aproxima o telespectador da narrativa, o faz imaginar tais personagens em outras situações. Isso foi algo que sempre me causou admiração neste em especial. 

Narrado por um protagonista cativante, verdadeiro e gentil, Tim foi criado para ser o protagonista que conquista o coração do público. Ele tenta se dar bem, mas não ao ponto de passar por cima de outras pessoas. Ele é desengonçado, divertido, completamente apaixonado pela família e cheio de amor para dar. Logo, ele procura alguém que possa receber todo esse amor. A sua busca pela felicidade começa com algo simples, sem grandes pretensões, mas, do seu ponto de vista, era uma grande meta. A conquista de uma namorada. Essa parecia ser a solução para os seus problemas. Ele erra, volta no tempo para tentar acertar, mas continua errando. São os erros que o fazem perceber que a vida é muito mais que isso. Que não se trata de viver sem errar, mas de apreciar a vida extraordinária e comum que temos.


A irmã do protagonista rouba a cena, Catherine, Katie ou Kit Kat, conquista qualquer um com o seu jeito peculiar. Ela é apresentada para nós como um ser da natureza. Com isso, podemos associá-la com a liberdade, daquelas pessoas que levam a vida com leveza. Seriedade é uma palavra que não existe no seu vocabulário. Logo no início, é possível sentir uma aproximação pela personagem, uma menina ingênua, sem maldade alguma, que não tem medo de ser quem é.

Os pais, em todas as suas falas, se demonstram sábios e serenos. Também tem o Tio Desmond, o tio que nunca se casou, sempre faz companhia, não se incomoda com nada, e há doçura no seu falar. O personagem foi construído de forma que passe tranquilidade ao telespectador seja qual for a sua situação. É possível se sentir acolhido e confortável ao lado dele.


Os personagens se entregam por inteiro. Mesmo que você sinta como se os conhecesse há anos, eles não deixam de ser interessantes. São tão interessantes a ponto de ter seu próprio spin-off.

Apesar das suas duas horas de filme, não acho que ele se arrasta, tenho a sensação de assistir vários filmes dentro de um só, de uma maneira positiva. Sua cronologia não se resume a apresentação, desenvolvimento, ponto de virada e solução. Vou tentar explicar como eu enxergo a divisão do filme:

⚠️ Atenção, este trecho pode conter spoilers, avance até a próxima placa ⚠️
  • 1º arco
Nos primeiros quinze minutos, há a apresentação da família e do contexto em que eles vivem, a descoberta do poder de voltar no tempo, várias tentativas de conquistar uma garota, bem como o ponto de virada quando Tim percebe que, em todas as tentativas, ela o nega e a sua solução é ir tentar a vida em Londres.
  • 2º arco
Novamente, há a apresentação de novos personagens, sua nova casa, trabalho, o encontro com a garota dos sonhos, Mary e, então, um ponto de virada que o faz perdê-la. Mas Tim logo arruma a solução para conquistá-la de volta.
  • 3º arco
Aqui ocorre a apresentação da nova vida do casal, agora morando junto, o desenvolvimento, ponto de virada quando a primeira garota que o rejeitou aparece e, por fim, a solução, quando ele resolve pedir a Mary em casamento, resultando na melhor cena de casamento arruinado, porém feliz, que eu já vi.

Isso acontece mais duas vezes, ao trabalhar a história da irmã, Kit Kat, e do pai, James, respectivamente. São cinco arcos em um filme. 

⚠️ A partir daqui está livre de spoilers.

Não sou nenhuma crítica ou expert em cinema, mas essa cronologia me faz sentir parte da história, incluída em cada pequeno detalhe retratado. São tantos acontecimentos, para nós, dentro de duas horas, mas na história se passam 10 anos. Você assiste aos personagens crescendo e à vida passando.

Esse foi o objetivo de Boyhood (2014), ao usar a passagem do tempo como arma para aproximar e incluir o público. Mas eles levaram isso a sério e levaram doze anos para filmar. Em ambos, a história tem um ritmo lento, que faz com que você tenha a sensação de viver cada cena como um momento da vida.


O filme carrega uma estética intimista. Não sei se posso definir a sua fotografia como aconchegante, mas é o adjetivo que melhor o representa. Em sua maioria, são usados tons terrosos, fechados, que remetem à imagem de lar que temos. Todas as cenas são confortáveis, te fazem querer estar ali, viver aquilo.

Podemos fazer uma relação interessante de Questão de Tempo com Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças (2004), para além do amor jovem e intenso. O desejo do ser humano de mudar o imutável, como o passado e as memórias, é o que move ambos.


Só essa ideia já é atrativa o suficiente. Imagine se você pudesse apagar alguma memória triste, traumática, ou mudar o passado. Nesses filmes, existe a tentativa de corrigir algo que é impossível na vida real. Um fato é que, inconscientemente, em algum ponto do filme, nos perguntamos o que faríamos se tivéssemos a oportunidade do protagonista.

O presente é uma das coisas mais valiosas que temos. Ele está aqui agora, mas logo em seguida, não está mais. O mundo está cada vez mais avançado, rápido, pensando no futuro e o presente acaba sendo esquecido. Procura-se algo melhor, algo maior por vir e o que está acontecendo é esnobado, diminuído a uma sensação passageira.

A cultura em que vivemos atualmente contribui para isso. O presente não significa nada porque o futuro vai ser melhor, mas esse futuro nunca chega. Tim tentou diversas vezes mudar o passado para que o seu presente fosse agradável, afinal, do seu ponto de vista, sempre poderia ser melhor. Depois de várias tentativas, sem muito sucesso, ele finalmente percebeu que a melhor coisa que ele poderia fazer era aproveitar o presente e suas pequenas coisas. É inevitável refletir sobre isso após assistir ao filme. O propósito dele é sacudir e instigar o telespectador a ser humanamente realista, longe das realidades paralelas que criamos. Muitas vezes vivemos como zumbis, agimos no automático e nisso, perdemos muitos detalhes do dia a dia. 

O ser humano é especialista em desejar o que não se pode ter, e se não controlarmos este desejo, ele nos consome. Sentimos muita falta de certas épocas da vida, desejando ardentemente voltar a elas. Mas já pararam para pensar que não seria preciso voltar ao passado se tivéssemos aproveitado quando vivemos ele enquanto presente?


Comentários

  1. Análise maravilhosa! A forma como o filme retrata como precisamos levar uma vida valorosa no presente é extremamente cativante. Gostei muito das suas pontuações sobre a necessidade de aproveitarmos o aqui-agora.

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    1. O filme ultrapassou os limites da comédia romântica haha

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